Câmeras corporais chegam às fardas dos PMs baianos; especialistas apontam proteção jurídica a agentes



Em 2020, a promessa era de que, no ano seguinte, os policiais militares baianos teriam acopladas em suas fardas câmeras corporais. A implantação dos equipamentos ajudaria a “constranger e inibir” a criminalidade, como disse Rui Costa, atual ministro-chefe da Casa Civil que, à época do anúncio, era governador da Bahia.

O petista desocupou o Palácio de Ondina e deixou a responsabilidade do importante projeto no colo do colega de sigla, o atual governador Jerônimo Rodrigues (PT). O sucessor de Rui utilizou a pauta em sua campanha eleitoral e cumpriu o que prometeu, implementou a medida em maio deste ano.



Agora, ele anuncia que, de imediato, 448 câmeras corporais serão utilizadas por agentes de três unidades policiais de Salvador que mais possuem ocorrências e solicitações de atendimento via 190. São elas: 9° Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM) de Pirajá, 23° CIPM de Tancredo Neves e 37° CIPM da Liberdade. Até junho, 1.100 equipamentos estarão em funcionamento no fardamento de membros das forças de segurança do estado. Os equipamentos serão utilizados, também, por membros de outras força de segurança do estado, a exemplo dos Bombeiros, Polícia Civil e Polícia Técnica.

A chegada das câmeras corporais, também chamadas de bodycams, divide opiniões. Se por um lado especialistas e parte da população enxergam na medida uma forma de proteger a sociedade de possíveis excessos; por outro, há quem acredita que as forças de segurança também encontram nos equipamentos uma proteção, sobretudo jurídica.

“As câmeras chegam para resguardar tanto a população, quanto a própria corporação. Não vejo que o projeto seja prejudicial aos agentes. O que precisamos debater é que se cumpra os direitos durante as intervenções policiais e, que, além disso, aqueles que se sintam prejudicados, seja de um lado ou de outro, possam ter seus direitos garantidos”, comenta o sociólogo baiano Carlos Moreira, especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Trago como exemplo a chacina da Gamboa. De um lado, temos famílias que relatam abuso policial que resultou na morte de três jovens negros. De outro, agentes que afirmam que agiram em defesa, após uma suposta troca de tiros. Qual versão sobressai? Qual delas é a verdadeira? Família? Polícia? Não sabemos, mas poderíamos se o projeto estivesse em prática”, completa Moreira.

O governo de São Paulo usa os equipamentos nas fardas de seus agentes policiais desde 2020. Na capital paulista, 88% dos moradores são favoráveis ao uso de câmeras em uniformes, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em março deste ano.

Dois anos depois das câmeras nas fardas, um levantamento feito pela Polícia Militar de São Paulo revelou uma redução de 87% nas ocorrências de confrontos armados. O estudo também mostrou que a queda é 10 vezes maior em comparação com os batalhões que não utilizam equipamentos.

“Não podemos dizer que o uso das câmeras torna o policial menos combativo à criminalidade, não há, hoje, nenhum levantamento que indique isso. O que precisamos pontuar é que se cumpra um protocolo para que os equipamentos não se tornem apenas um efeito a tira colo. São necessários testes operacionais, controle de uso, órgãos fiscalizadores e testes de armazenamento de dados para a produção de elementos probatórios de atos ilícitos, para a corporação e, sobretudo, população”, opina o advogado Caio Moreira, especialista em Ciências penais e Segurança Pública.

Na opinião do Coronel Humberto Sturaro, ex-comandante de Operações da Polícia Militar da Bahia e atual prefeito-bairro do Centro Histórico, apesar das contradições, a câmera também cumpre o papel de proteger o policial: “A polícia anda numa linha reta. Se tombar para um lado, prevarica. Se tombar pra o outro, é abuso de autoridade. Isso é fato. E nós não podemos acertar sempre, e não vamos acertar sempre. Se você chega para uma instituição e diz: ‘vou colocar câmeras para registar suas ações, para proteger você, para mostrar que você faz o certo, dentro da legalidade, e que se errou você o fez tentando acertar, faz parte, então a câmera é pra proteger”. 

Mas Sturaro, que permaneceu mais de três décadas na PM-BA, também alertou que muitos fazem questão de apenas sugerir que as câmeras são para registrar possíveis ilegalidades cometidas por agentes da segurança pública: “[…] mas, na hora que é publicado por muitos que solicitaram as câmeras para fiscalizar os policias com intuito de mostrar que ele erra intencionalmente, e que essa câmera é para coibir suas ações que se julgam ilegal, é que eu deixo de acreditar na instituição polícia”.

O ex-comandante de Operações da PM-BA ressalta que existem esses dois prismas, e alerta: “a câmera é uma realidade. E se é uma realidade, temos que apostar, que acreditar que é para proteger o policial de falsos testemunhos e falsos julgamentos. Já que tem que escolher um lado, eu aposto nesse lado, que é uma realidade e não vai deixar de existir”.